Por Antonio Luiz Fancelli
Fancelli & Associados – Consultoria Agronômica
fancelli@usp.br
Introdução
O Fósforo é um elemento químico de símbolo P, com número atômico 15 e massa atômica igual a 30,973762 u, sendo importante matéria-prima para o segmento industrial, bélico, alimentício e terapêutico, além de se constituir em nutriente essencial para a vida vegetal.
O Fósforo é um elemento que não é encontrado na atmosfera, sendo unicamente advindo de rochas específicas representadas por fontes finitas. Portanto, o citado elemento apresenta ciclo biogeoquímico truncado, com baixa possibilidade de recuperação na natureza, exigindo uso eficiente, racional e responsável por parte dos agricultores.
Na vida vegetal o Fósforo desempenha papel relevante na composição de ácidos nucléicos (DNA e RNA); é componente fundamental da membrana celular; atua na dinâmica de energia ou como transferidor de energia (AMP, ADP, ATP, UTP e GTP) na planta; bem como na regulação de diversas vias de síntese e do estímulo inicial de desenvolvimento de raízes, com o auxilio do Nitrogênio.
Devido as suas propriedades químicas, aliado às condições predominantes em ambientes tropicais, o Fósforo apresenta baixíssima mobilidade no solo (fato irrefutável), exigindo, portanto, conhecimento e estratégias adequadas que assegurem a redução de desperdício e garantam o seu pleno aproveitamento pelas plantas.
Dentro deste contexto, de forma geral, a modalidade de fornecimento de fósforo às plantas, mediante adubação à lanço ou na superfície, não se constitui em procedimento adequado, salvo raras exceções; pois além de dificultar o seu aproveitamento, pode ser considerada estratégia ineficiente e ecologicamente incorreta.
Contextualização do fato
No Brasil, em decorrência da ampliação das áreas de produção de soja, que assumiram extensões avantajadas, o produtor foi obrigado a considerar o uso de técnicas e tecnologias que aumentassem o rendimento operacional da atividade agrícola. Esse procedimento, em princípio, poderia garantir a semeadura da soja em época mais apropriada, preservando o potencial produtivo da espécie, bem como propiciando o cultivo sequencial de algodão e/ou milho, na mesma gleba. Portanto, nada mais lógico e compreensivo que este tipo de pensamento se consolidasse. Contudo, a escolha das estratégias para tal objetivo, não poderia apenas privilegiar a facilidade e a comodidade, em detrimento de princípios científicos. Portanto, a escolha da técnica da adubação fosfatada a lanço, de forma simplista, pode desencadear inúmeros problemas agronômicos e a perda de potencial de produção ao logo do tempo.

Figura 1. Distribuição de fertilizante à lanço – Sorriso/MT
Nos últimos cinco anos, inúmeras constatações confirmaram a ineficiência da referida técnica, pela evidência da estagnação da produtividade alcançada e do aumento do custo de produção. Todavia, se a adubação fosfatada a lanço, fizer parte de um sistema de produção racional, sendo utilizada de forma parcimoniosa, em situações específicas, e em conjunto com o cultivo de plantas recicladoras (sobretudo braquiária), aliada à reposição periódica do Fósforo em profundidade, poderá se constituir em eventual estratégia de sucesso.
Avaliação correta da localização do Fósforo em glebas com o uso de adubação a lanço
Trabalhos de pesquisa demonstram que o fósforo produtivo é aquele que se encontra localizado na camada de solo entre 10 e 15 cm de profundidade. A razão para este fato diz respeito à influência da temperatura e da água na absorção deste elemento pela planta. Temperatura superior a 39oC provocam a desativação do carregador de fósforo na planta, dificultando sua efetiva absorção. Tal condição térmica inadequada frequentemente ocorrerá na camada superficial do solo. Do mesmo modo, a combinação do mecanismo de contato íon-raiz (difusão) e a necessidade de posicionamento do nutriente na rizosfera, será amplamente favorecida pela disponibilidade de água, garantindo a sua absorção pela planta. Neste contexto, conclui-se que a água estará, obviamente, mais disponível no solo, em profundidades superiores a 10-12 cm.
Por tais razões, glebas com teores de Fósforo superiores a 20-25 ppm ou mg/dm3 (extraído em resina sintética) na camada entre 10 e 15 cm de profundidade podem demorar mais tempo para que a distribuição de fosforo à lanço, manifeste sinais negativos na produção. Este fato persistirá até o esgotamento do referido nutriente no solo. Entretanto, com o conteúdo de Fósforo mencionado anteriormente, a adubação à lanço pode não apresentar efeito significativo e, em algumas situações, ser totalmente dispensável. Todavia, o resultado do uso de fósforo à lanço em glebas sem seus teores e localização satisfatórios; sem o histórico de fosfatagem corretiva (fósforo em profundidade) ou em glebas de primeiro ano, pode ser incipiente, bem como provocar comportamento dramático pelas plantas, sobretudo em anos secos.
Assim, conclui-se que a avaliação do Fósforo em glebas com adubação à lanço, objetivando a sua quantificação e localização no solo, exige, obrigatoriamente, amostras estratificadas (0-5; 5-10; 10-15 e 15-20 cm). E, se no boletim de análise, for observado maior concentração de Fósforo na camada de 0-5 cm de profundidade, a estagnação ou a perda de produção estará prestes a acontecer.

Figura 2. Necessidade de Amostragem estratificada (0-5 cm; 5-10 cm; 10-15 cm e 15-20 cm)
Consequências negativas do uso de fósforo à lanço
A adubação a lanço de fósforo, de forma simplista e exclusiva, sem a devida consideração do sistema reciclador de produção adotado, além de exigir quantidades elevadas do referido nutriente, devido à baixa eficiência do procedimento, pode provocar outros problemas relevantes, dentre os quais merecem especial destaque:
- Redução do estímulo inicial do crescimento das raízes, principalmente em profundidade, pois constata-se a diminuição da produção de raízes de 1ª e 2ª ordem (raízes rastreadoras de água) em meio apresentando alta concentração de Fósforo.
- Redução da proliferação de fungos micorrízicos arbusculares, os quais são de fundamental importância para o desempenho das plantas e para a diversidade biótica em solos tropicais.
- Redução da taxa de nodulação e, notadamente, da fixação biológica de nitrogênio (FBN) devido a reduzida capacidade da planta na produção de ATP em seus estádios fenológicos iniciais.
- Redução da taxa de absorção de água pelas plantas, pois o Fósforo distante das raízes (aplicação superficial) afeta o funcionamento dos canais de água da planta (composto por aquaporinas), pois dependem de reações de fosforilação e desfosforilação. Portanto, o uso de fósforo à lanço, principalmente em anos secos, colocam a planta e suas raízes em situações críticas.
- Enovelamento e concentração das raízes na camada superficial do solo, facilitando o ataque de nematoides e de insetos, bem como favorecendo a infecção por patógenos de solo, principalmente Fusarium sp, Rhizoctonia sp e Macrophomina sp.
- Redução da absorção de zinco, provocando a restrição de produção de triptofano e auxina pelas plantas, desencadeando todas as consequências danosas da escassez desse nutriente e do referido hormônio no metabolismo vegetal.
- Redução da taxa de absorção do próprio nutriente (P), devido à diminuição da atividade de seu carregador, que é afetada por temperaturas de solo superiores a 39oC, cuja ocorrência é muito comum na camada de 0-7cm.
- Redução da disponibilidade de Fósforo quando o referido nutriente é distribuído à lanço em área com uso frequente de calcário superficial.
- Distribuição desuniforme do Fósforo no solo, após chuvas de intensidade moderada à alta, mediante a reacomodação da fonte do elemento citado, nas depressões do microrrelevo do solo, formando zonas (ou bolsões) de alta concentração desse nutriente.
- Aumento da probabilidade da perda da fonte de Fósforo quando distribuída na superfície do solo, juntamente com a água de chuva, mediante escorrimento em áreas declivosas.
Alternativas para o uso consciente de fósforo a lanço
Inúmeras alternativas ao uso de adubação de Fósforo a lanço, apresentando eficiência e rendimento operacional satisfatórios, podem ser implementadas, quais sejam:
- Uso frequente de doses de arranque no sulco de semeadura da soja (15 a 20 kg/ha de P2O5) ou na semeadura de plantas de cobertura antecedentes;
- Uso de Fósforo (1 a 1,5 kg/ha) e Nitrogênio (1 a 3 kg/ha), via foliar, até o V4, na forma de 2 a 3 kg/ha de MAP Purificado, ou de outras fontes combinadas de N, P, aliada preferencialmente à auxina, objetivando a manutenção do estímulo do crescimento do sistema radicular.
- Uso de Fósforo no sulco de semeadura a cada 2 a 3 ciclos ou, pelo menos, nas lavouras de milho ou algodão;
- Consolidação de Sistemas de Ciclagem de Fósforo, mediante o cultivo de algumas espécies de plantas de cobertura, principalmente braquiária, após a lavoura de soja, por 3 a 5 meses, de forma singular ou em consórcio com a lavoura de milho de 2ª época (a referida modalidade poderá ser concretizada pela divisão do total da área cultivada, em quatro partes, rotacionando a braquiária em uma das partes, ao longo do tempo, na época do milho safrinha. No final de 4 anos a reposição do fósforo no solo, em profundidade adequada, estará concretizada);
- Uso de Fósforo no sulco de semeadura, mediante o emprego de adubo líquido concentrado, em baixo volume (80 a 100 L/ha), apresentando rendimento operacional satisfatório (modalidade em fase de implantação na produção de grãos, no Brasil) e
- Adubação fosfatada no sulco de semeadura, de modo antecipado e Incorporado, a partir de agosto/setembro, para semeadura posterior de soja na época recomendada. Essa modalidade tem garantido ganhos significativos de produtividade, de forma eficiente e racional, principalmente em áreas extensas, cuja modalidade é conhecida como “adubo plantado”.

Figura 2. Utilização de Adubação Líquida – USA
Considerações Finais
A técnica da adubação a lanço pode ser utilizada em muitas situações, visando o fornecimento de alguns nutrientes que apresentam o mecanismo íon-raiz por fluxo de massa, o que não é o caso do Fósforo. Portanto, o presente artigo não tem por objetivo condenar a distribuição superficial de fósforo, porém oferecer subsídios para a tomada de decisão e discussão da eficiência e necessidade efetiva do uso da referida modalidade de adubação; visto que ela pode afetar o desempenho da planta, sobretudo em condições de estresse, sem contar com o aumento de risco da atividade agrícola.
A utilização contínua desse tipo de adubação, sem nenhum critério, além de contribuir para a estagnação e/ou perda de produtividade vegetal, poderá dificultar a recuperação da gleba, bem como provocar a perda significativa de Fósforo, notadamente em solos argilosos.
Finalmente, cumpre salientar que o principal insumo para a consolidação de uma agricultura rentável e sustentável é o CONHECIMENTO. Portanto, é imprescindível o questionamento contínuo da validade de recomendações padronizados (“receitas de bolo”) e de fórmulas mágicas, sem o devido embasamento científico, bem como sem a valorização dos profissionais gabaritados, detentores de experiências relevantes e de resultados comprovados.
Portanto, somente desta maneira a agricultura será fortalecida e poderá cumprir seus nobres desideratos.